Esta
história é bonita de se ver. Começa a ser tecida no encontro do rio que vem do
Piauí com o mar de Bitupitá (litoral Norte do Ceará, a cerca de 440 quilômetros
de Fortaleza). Ressurge entre coqueiros, palmeiras e a vegetação nativa das
dunas. É uma história que junta natureza e povo, o maravilhoso e o sonho. O ser
e o ampliar.
Impressa em folhetos, livros,
memórias e até na laje do túmulo da protagonista, a narrativa peregrina desde a
Palestina ao Pontal das Almas (atualmente, praia de Bitupitá). Milade (para
alguns, Milaide) Tahim nasceu em Belém, no dia 1º de julho de 1882. “Isto é, na
mesma cidade em que Jesus Cristo nasceu”, associa o livreto A História de Santa
Adelaide, que ciranda de mão em mão nas rodas de calçada de Barroquinha
(município que abarca Bitupitá). E não importa que outros contem que a certidão
de nascimento é de Jerusalém, o imaginário popular voa a partir dessa
coincidência do destino. Milade só podia ter nascido
para ser uma pessoa boa, assim testemunharam os antigos de Barroquinha. Ela e o
marido, Demetrio Elias Tahim, tangidos por uma guerra, aportaram naquela
paisagem depois de escapar pelos Estados Unidos. Estabeleceram-se no ramo do
comércio de tecidos, e logo Milade se tornou Adelaide no entender e no
bem-querer do povo. “Meu marido é que conta que ela era uma pessoa muito
caridosa. Dava esmola com prazer, tirava uma fazenda e dava pra pessoa”, repete
Cândida Batista da Silva, 75. “E livrava ele (marido de dona Cândida) das
peias, quando a mãe dele queria açoitar... Ela dava o peixe e ainda perguntava:
‘Vocês têm farinha pra comer?’. Conto a história como me contaram”, arremata.
Não tardou para Adelaide se
converter de todo santa, na verdade do povo. Ela faleceu no dia 26 de março de
1929, na sequência do parto de seu décimo filho, e, assegura a oralidade,
continuou “numa luminosa visão”. O que era, ampliou-se.
Adelaide teria aparecido em
sonho a Francisco José de Oliveira, morador de Olho d´Água, distrito de Viçosa.
Longe dali, muito. Na serra da Ibiapaba. Francisco nunca nem tinha ouvido falar
nos Tahim, mas Adelaide teria insistido (e garantido o perdão dos pecados), em
mais aparições, que ele levasse um recado aos seus: ela queria descansar na paz
do Pontal das Almas, de frente para o mar, que desenterrassem o corpo do
cemitério-beira-de-estrada de Capim Açu (ou Venâncio).
Já era maio (cerca de 40 dias
depois da morte de Adelaide Tahim), numa época em que “a palavra valia muito
mais do que o que estava escrito”, registra o livreto A História de Santa
Adelaide.
Francisco, em favor do sossego
da alma (sua e de Adelaide), cumpriu o prometido ao sonho. Deu o recado ao
viúvo e o que se seguiu foi um espanto e uma procissão do cemitério de Venâncio
ao Pontal das Almas.
“O
caixão mortuário, apesar de tanto tempo decorrido, achava-se em perfeito estado
e sem exalar a menor parcela de mau cheiro”, sublinha A História de Santa
Adelaide. Tanto que ainda foi velado, por duas horas, na Capela de São José. E
um novo sepultamento se deu no dia 13 de maio de 1929, a cerca de 140 passos do
encontro do rio com o mar, em um extraordinário cenário de pôr do sol.
Da pracinha da igreja, centro
de Barroquinha, até o túmulo de Adelaide Tahim, no ainda chamado Pontal das
Almas, são 5 quilômetros de areia de praia.Uma caminhada feita ao sabor da
maré. Há romaria para a santa popular,
convida Cândida da Silva, no último domingo de agosto. Falta padre, lamenta a
devota, mas não falta a fé. São José é o padroeiro do lugar, mas dizem que “na
festa da santa Adelaide dá mais gente”.
Dona Cândida
guarda a chave da Igrejinha de Santa Adelaide, que fica na rua da Praia, olhando
para o mar, de frente para o horizonte. É uma igrejinha sem forro, de chão de
flores e santos plastificados, mantida pelos devotos. Ao lado, cemitério na beira do rio Timonha, onde
está enterrada Adelaide Tahim e a medalha que carrega a imagem dela, no
chaveiro da porta. Acima, na foto maior, dona Cândida em seu altar de parede
Um dos
filhos de Adelaide Tahim trouxe, de Jerusalém, a imagem de santa Adelaide (a
italiana, já canonizada pela Igreja). Ela foi posta na igrejinha, erguida em
memória de Adelaide Tahim. Para alguns, as santas se confundem.
“Comecei
a acreditar quando comecei a me entender, que comecei a ficar valida dela”,
testemunha dona Cândida. “Já alcancei muitas graças. Eu tinha um neto que,
qualquer coisinha, no corpo dele, era uma ferida. Me apeguei com a alma dela.
Agora, ele pega topada, arranca unha e acredita que nada mais foi pra frente?”,
soma.
Matéria
exibida em 2012 pelo jornal O Povo.
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